GINCHI FUNAKOSHI
REFERÊNCIA PARA O KARATE MODERNO
Ginchi Funakoshi nasceu em 1868 em Shuri, Okinawa.Seu nascimento foi prematuro. Tanto é que seus pais e avós achavam que o mesmo teria uma vida curta e por isso o cercarão de cuidados. Pouco tempo depois do seu nascimento foi levado para viver com seus avós maternos.Do seu avô, aprendeu os clássicos chineses de tradição confuciana, essenciais para os filhos dos Shizoku (classes privilegiadas). Durante sua permanência com os avós, freqüentou a escola primária onde se tornou grande amigo de um filho do mestre Yasutsune Azato, que morava numa vila localizada entre Shuri e Naha, este mestre era um homem maravilhoso um erudito brilhante e um dos maiores especialistas do karate e de outras artes como equitação, esgrima, e o manejo do arco. Funakoshi que entrou no foco da atenção do mestre Azato ao torna-se amigo do seu filho, posteriormente recebe a primeira lição de karate sob sua excepcional orientação. Naquele tempo, a prática do karate era proibida pelo governo. Por isso as lições tinham de ser em segredo e a noite. Embora a casa de Azato fosse longe da dos avós de Funakoshi, mesmo assim à distância e o horário não fizeram o aluno desistir.
Os vários anos de pratica do karate contribuíram para a saúde de Funakoshi melhorar significativamente, não mais havendo sinais daquela criança frágil do passado. Sentindo-se profundamente devedor a esta arte, movido pela gratidão, Funakoshi faz do karate um modo de vida.
Aos vinte anos presta exame, para ser professor numa escola primária e é aprovado passando a exercer a profissão por trinta anos. Mas em hipótese alguma abandonou seu primeiro e verdadeiro amor - o karate. Dava aulas durante o dia e em seguida percorria em longo caminho na escuridão da noite em direção à casa do mestre Azato para treinar karate. Noite após noite, treinava sob a orientação e olhar do seu mestre. Treinava um kata repetidas vezes mês após mês até tê-lo dominado completamente para a satisfação do seu mestre.
O mestre Azato, após as sessões práticas (que sempre que estendiam até as primeiras horas da madrugada), tornava-se diferente. Como um pai bondoso, interrogava o aluno Funakoshi sobre sua vida de professor primário e teorizava sobre a essência do karate.
Outros mestres foram importantes na formação de Funakoshi. Destaca-se, entre eles, o famoso Itosu, com quem muitas vezes o mestre okinawano teve o privilegio de treinar, inclusive algumas vezes, sob a orientação simultânea de Azato e Itosu. As discussões destes dois mestres, sobre aspectos espirituais e físicos do karate, contribuíram muito para o enriquecimento do aplicado discípulo Funakoshi.
Funakoshi treinou ainda com o mestre Matsumura e outros, mas sempre com a permissão do seu mestre.
Depois dos vinte anos, Funakoshi casa-se. Já era professor e com seu salário de três ienes mensais, sustentava a sua família, seus pais e avós. Para ajudar nas despesas a sua esposa fazia um tecido chamado kasuri, além disso, cultivava a mais de dois km de sua casa, uma área de onde colhia verduras para o consumo. A esposa de Funakoshi era mulher prendada e sempre ocupada com os afazeres de casa, e no momento de folga de seu marido, onde ele dedicava-se ao karate, esta nunca lhe cobrou ou sugeriu que ele ocupasse seu tempo com coisas mais rentáveis ou que dedicasse esse tempo à família. Pelo contrario, encorajava-o a continuar. Muitas das vezes a esposa de Funakoshi observava com interesse seus treinos chegando ate utilizar o pátio da casa para praticar um kata. Com esses treinos, esta dedicada esposa, tornou-se hábil nos movimentos, chegando a assemelhar-se ao de um praticante experiente.
Alguns vizinhos de Funakoshi pediram-lhe para ensinar-lhe o karate. O mesmo ficou feliz em atender aos pedidos, às vezes quando se atrasava na escola primária já encontrava os jovens praticando o karate sob a orientação da sua esposa, que os incentivava e os corrigia quando faziam alguma coisa errada. Muitos dos seus vizinhos eram comerciantes; outros puxadores de Jirinquixa que às vezes ficavam briguentos depois de beberem.  Nessas ocasiões, a esposa de Funakoshi com o seu poder de persuasão, pacificamente acalmava os ânimos, promovendo a paz mesmo que a briga tivesse chegado as vias de fato.
 Funakoshi continuava como professor primário, ensinava karate e estudava também, mas às escondidas, pois o mesmo era proibido. E por volta de 1902 um inspetor da Prefeitura de Kagoshima de nome Shintaro Ogawa visitou a escola onde Funakoshi ensinava, e a ele foram preparadas varias apresentações em forma de homenagem, destacando-se entre elas uma de karate. Impressionado com que viu o Inspetor, retornando de Okinawa apresentou um relatório detalhado ao ministério da Educação elogiando a arte. Este relatório fez com que o karate saísse da clandestinidade e, mais que isso, obtivesse a aprovação do Ministério da Educação, passando a fazer parte do currículo Escolar.
Com o reconhecimento oficial o karate tomou corpo e varias autoridades vieram até Okinawa apreciar as exibições da arte, a exemplo do Almirante Rokuro Yashiro e do comandante da Esquadra Imperial Almirante Dewa. Graças a estas autoridades o karate começou a ser comentado em Tóquio. Tal referencia fizera com que o príncipe herdeiro, numa viagem á Europa, encostasse em Okinawa para presenciar uma exibição de Kata feita pelo discípulo Funakoshi, isto no ano de 1921. Neste período Funakoshi pede seu afastamento do cargo de professor primário, por ter sido transferido para uma ilha distante com o cargo bem melhor (de diretor). Embora tivesse dedicado 31 anos da sua vida ao magistério não esitou em recusar o cargo de diretor, para dedicar-se à família. Mas Funakoshi não se afastou da vida escolar de Okinawa. Após contatos com entidades e pessoas ligadas a Educação organizou a Sociedade de Apoio ao Estudante de Okinawa onde posteriormente torna-se seu diretor. Não esquecendo o Karate, pois ele foi quem fundou a primeira Associação de artes marciais “Associação para o Espírito das Artes Marciais” que tinha o objetivo de unificar o Karate.
O Ministério da Educação japonesa organizou uma demonstração de Artes Marciais na Escola Normal Superior para mulheres, localizada em Ochanomizu, Tóquio. A Prefeitura de Okinawa foi convidada a participar da demonstração e o departamento de Educação Física pediu a Funakoshi que apresentasse a arte local (karate) à capital japonesa. Funakoshi aceitou o convite, fez uma programação bastante dinâmica, não só no que diz respeito à parte técnica do karate, mas na sua história em de Okinawa, seu desenvolvimento e até a própria didática. E para isto organizou fotos das posições, mostrando tanto o corpo com detalhes das mãos e pés, além de posições de kata. Os materiais levados e sua própria demonstração fizeram com que a apresentação tivesse sido coroada de êxito. Esta demonstração aconteceu na primavera do ano de 1922.
Funakoshi deveria voltar imediatamente a Okinawa. Mas foi tão grande o êxito e a repercussão do trabalho que vários fatos levaram-no a adiar sua volta, tais como o pedido do Mestre Jigoro Kano (mestre famoso do Judô e presidente do Kodokan Judô) que lhe pediu para proferi uma explanação sobre o karate, no próprio dojô da Kodokan. O okinawano aceita o convite e realiza a demonstração com a parceria de Shinkin Gima, karateca de grande experiência. O mestre do Judô ficou tão impressionado com o que viu que pediu a Funakoshi que lhes ensinasse alguns katas.
Outros fatos contribuíram para que Funakoshi adiasse seu retorno. Já estava pronto para partir quando um famoso pintor de nome Hoan Kosugi o convidou para ensinar o karate no Clube Shoupo de Tabata do qual era presidente. Mais uma vez, Funakoshi aceita, compreendendo que se quisesse ver a expansão do karate, por toda população japonesa, ele seria a pessoa indicada, e Tóquio seria o lugar por onde começar. Imediatamente expõe sua idéia aos mestres Azato e Itosu e ambos respondem  dando-lhe apoio, e alertando sobre as dificuldades.
Aceitando o desafio, Funakoshi muda-se para Meisei Juku (dormitório para estudantes oriundos de Okinawa),onde monta seu primeiro dojô no salão de palestra. Para pagar sua estadia e até mesmo o aluguel, Funakoshi assume os diversos trabalhos, tais como os de guarda, zelador, faxineiro e jardineiro e, para pagar sua alimentação, Funakoshi convenceu o cozinheiro a treinar karate e com isso abatia o valor de sua alimentação. Foi uma fase difícil, mas com o passar de tempo, a situação começou a melhorar. As universidades passaram a interessar-se pelo karate e a Universidade de Keio foi a primeira a organizar estudos de karate, dos quais participaram o corpo docente e administrativo além dos estudantes. Em Seguida a Universidade de Takushoku introduzia a pratica do karate, aumentando significativamente o numero de alunos depois disso, além das Academias Militar e Naval de Tóquio varias Universidades procuraram Funakoshi para praticar o karate, tais como: Waseda, Hosei, Faculdade de Medicina do Japão, Primeira Escola Superior, Universidade Imperial de Tóquio.
Durante todo esse tempo à esposa de Funakoshi continuava em Okinawa. Seu filho mais velho(Yoshihide) veio para Tóquio primeiro e os dois mais novos vieram depois. O mestre okinawano decidiu não voltar para sua terra antes de concluir a missão. A próxima fase da vida de Funakoshi continua marcada pela abnegação da esposa. Com uma vida mais estável, Funakoshi convida sua esposa a mudar-se para Tóquio mas esta consciente de sua missão, por motivos religiosos, recusa o apelo do marido. Por outro lado, consciente também da importância do karate na vida do mestre okinawano, incentiva-o a concentrar-se no trabalho de expansão do karate no Japão, embora isto significasse outros anos de separação.
Para difundir melhor o karate, em 1922, Funakoshi com o incentivo de seu discípulo Hoan Kosugi, Lança o livro intitulado Ryukyu Kempo: Karate. Seu segundo trabalho literário aconteceu em 1935 com o livro Karate-Do Kiohan. Funakoshi torna-se famoso e é reconhecido como mestre. Em seu dojô, outros mestres treinavam e ele afirmava que quem aprendia mais era ele mesmo.
Com o passar do tempo, seu primeiro dojô ficou em estado deplorável, por falta de conservação, mas foi liberada uma verba através do governo Municipal de okinawa e da Sociedade de Cultura de Okinawa para restauração do referido prédio, foi necessária a saída de todos do prédio. O mestre fica sem espaço para dar aulas de karate. Foi Então que o mestre de esgrima Hiromichi Nakayama sabendo da dificuldade do mestre ofereceu seu dojô para que nos horários vagos pudesse dar aulas de karate. A idéia foi aceita. Porém chegou um tempo em que o número de alunos cresceu e o mestre achou que estava sendo inconveniente para com o seu amigo. Sua situação financeira ainda não lhe permitia construir um dojô especifico. Foi então que o comitê de patrocinadores de karate solicitou fundo suficiente para o primeiro dojô de karate a ser erguido no Japão (Zoshigaya Distrito de Toshima). Na primavera de 1936 o mestre entra no dojô que leva o nome de SHOTOKAN(Shoto pseudônimo que o mestre usava para assinar os seus poemas e Kan significa casa). Orgulhoso, Funakoshi sentiu o desejo de estar com seus mestres (Azato e Itosu), mas eles não estavam mais sobre a terra.
No novo dojô o mestre elabora normas, cria os graus e classes (Dan e Kyu) nomeia instrutores para universidades, e com a morte de Takeshi Shimoda o mestre nomeia e seu terceiro filho Gigo como seu assistente cabendo a este as atividades de dirigir o Dojô.
Mas os dias de paz estavam chegando ao fim. O Japão preparava-se para uma guerra de grande escala, muitos alunos do mestre foram para a guerra e não voltaram mais. Muitos deles morreram em batalhas, Funakoshi perdeu até a conta de quantos se foram e muitas das vezes o mestre ficava sozinho no dojô silencioso e oferecia uma oração às almas dos seus alunos mortos. Muitas famílias sofreram, a de Funakoshi também.  Funakoshi e seu filho mais velho (Yoshihide) mudaram-se para Koishikawa e durante sua estadia aconteceu o pior, seu dojô foi bombardeado por um ataque aéreo, mas a catástrofe pior para o mestre foi à assinatura de rendição do Imperador. A vida em Tóquio ficara insuportável após esta rendição. O mestre desloca-se para Oita em Kyushu onde sua mulher tinha se refugiado quando começou a violenta batalha pela conquista de Okinawa.
A vida do mestre e de sua mulher não foi nada fácil. A sua alimentação era uns poucos vegetais que ambos plantavam e plantas marinhas que recolhiam da praia. Talvez a fraca alimentação e o cansaço fizeram sua esposa adoecer de problemas respiratórios. A doença se agrava que sua esposa mal consegue respirar, e numa tarde quando o mestre encontrava-se ao seu lado, num esforço sobrenatural levanta-se da cama com o corpo fraco e cansado, vira o rosto com sacrifício em direção de Tóquio e com os lábios trêmulos oferece uma oração em silêncio. Agora se vira para Okinawa e num esforço sobrenatural levanta sua mão frágil e faz um aceno de adeus e uma última oração em silêncio. O mestre sabia o que se passava em sua mente. Ao olhar na direção de Tóquio pensou no Imperador e nos seus filhos e netos ao virar para Okinawa ofereceu sua última oração aos espíritos ancestrais antes mesmo de juntar-se a eles. Assim em outubro de 1947 sua esposa morre. Desde que o mestre mudara para Tóquio aos seus 50 anos esteve afastado de sua esposa, e quando nos anos anteriores, quando ainda estavam juntos em Okinawa, e depois disso, não obstante as dificuldades enfrentadas, sua companheira abnegada, dedicou toda sua vida ao marido, um homem que amava o Karate e a família.
Após a morte de sua esposa o mestre parte para Tóquio levando a urna que continha as suas cinzas. Durante a viagem de trem, a cada estação tinha um ex-aluno que vinha para saúdá-lo e oferecer suas condolências. Não entendia o mestre como sabiam que ele estava no trem nem tampouco da morte de sua mulher. Mas aqueles gestos comoviam o velho mestre o qual não podia conter as lagrimas que desciam pela face. E o mestre compreendeu que sua esposa havia morrido tão nobre como havia vivido. O mestre reinicia os treinos agora no dojô de karate Kyokai e com o fim da guerra muitos americanos o procuram para treinar o Karate. Um alto oficial americano pediu ao mestre que fizesse demonstrações de karate aos aviadores nas bases americanas. Acompanharam o mestre nas demonstrações os seguintes assistentes: Isao Obata, Toshio Kamata e Masatoshi Nakayama (este último fica responsável pelo karate Shotokan). Percorreram todas as bases americanas difundindo assim o karate. Hoje, todo lutador de karate deve a este excepcional okinawano esta bela arte que é treinada por milhões de adeptos. O mestre morre em 26 de abril de 1957.